Nó e Manhã do Homem de Bem (PDF)




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NÓ E MANHÃ DO HOMEM
DE BEM

Vejo, minha razão transborda. Muito tenho:
as coisas, vidas, casas, vias, tudo enfim.
Sou um servo-juiz alado, um serafim.
Impero na família, sou mestre do Engenho.
Idólatra fiel da minha própria fome,
eu me encho de cristais, eu me banho de brilho.
Esse corpo dourado, obro para o meu filho,
herdeiro do meu sangue, do meu pai, meu nome.
Mas toda minha fé, eu sacrifico a Deus
e na sua Santa Igreja, entre púlpitos sacros,
lambo a carne e o sangue do Rei dos hebreus.
Meus olhos, panos verdes cosidos pela Ordem,
quando se melam do ouro de louros e lucros,
suam uma gota azul, céu de estrelas que mordem.
֎
I
Entre os lençóis deflorados da cama,
a pauladas eu sou dominador.
À chibata, uma mulher vira chama,
rindo vermelho às fronteiras da dor.
Salivando, como o corpo sem dó
atento às ondulações do canal.
Tateando os molhos eu busco o dó,
o grito rosa da fonte carnal.
Passado o seu primeiro suspiro,
a mulher se abre enfim em régia flor.
Posso lê-la então: folha de papiro,
fina e frágil ardendo no calor.
Penetro o seu mais antigo mistério,
leio a mulher em seu ser mais secreto.
Decifro os hieróglifos desse império
de prazeres que rege no concreto.

1

II
Da pele-papiro traduzo a senha
pra rodopiar no vórtex de pernas.
Pra essa roda de fogo trago a lenha
do prazer que queima as bruxas modernas.
Ao sentir que o fogo queima debaixo,
a bruxa agita frenética os braços.
Resistindo ao amor que nele encaixo,
seu prazer tenta se impor aos abraços.
A batalha assim de paixões explode
em faíscas, rangidos e gemidos.
Transfiguro-me, espada erguida, em Lorde,
num mestre marcial dos mais temidos.
A batalha segue, eu ganho terreno,
minhas estocadas perfuram o alvo.
Ante a rival, eu combato sereno,
vendo que ela já treme suada em caldo.
III
Cavando com minha lâmina a pele
da mulher deixo a carne possuída.
Assim a ordeno que ao meu prazer vele
até que só reste uma vida caída.
Em rei eu me ergo então vitorioso
à rival de pernas lânguidas, moles.
Da guerra sangrenta tirei o gozo
para bebê-lo todo em longos goles.
O cansaço, recompensa divina,
vem em meio aos sujos restos de amor.
Deixo existir a calma feminina
de coxas úmidas em meu clamor.
Eclipso mulheres que em sonhos somem,
suados os lençóis, sou rei enfim.
Todo prazer é meu em sendo homem
domino o começo, o meio e o fim.

2

֎
Toca o silêncio o campo da cama.
Lambuzo o mel das moças de dezesseis.
Fumo a futura batalha.
Me viro à rival. Espero:
pele prostrada em camisola frágil, branca, de burguês,
um copo vazio.
Mas a estendida ri.
O escarnio desvicera sua cara em dentes reis,
um Vulcão brinca ali.
Esse riso é precipício,
mata.
Já sinto a gravidade.
Sou sugado às raízes,
mata,
à nascente da virilidade.
Não, nada de dores!
Domino a domus in gloria Dei: sou homem,
controle, domínio.
Mas,
domínio sobre o quê?
Carne sem vontade é carcaça.
Meu reino é vazio de alma.
Sou um lorde da morte
a vassalar à minha goza
uma pele inerte, lapide rosa.
“– Será?”
Faço isso pra esconder?
A mascara do viril dominador,
esconde a face do flácido impostor.
A farsa do prazer imposto
mete por baixo dos lençóis
um prazer de mau gosto.
“– Talvez.”

3

Faço isso pra retroceder?
Dominar meu passado?
Buscar nas peles-papiro
o controle sobre minha Ísis?
Desfazer o lacre do seio selado
daquela que pariu minha íris?
“– Não!”
Tudo domino por homem ser:
começo, meio...
E o fim?
֎
Começo:
O fim é ponto brilhante
me granulando a sombra
em pó e osso.
O fim deixa seu gosto
no medo de
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DESAPARECERDESAPARECERDESAPARECERDESAPARECERDESAPAR
ECERDESAPARECERDESAPARECERDESAPARECERDESAPARECER.
Medo de deus aparecer,
dizer: “– Pare, ser!,”
de padecer.

4

Medo de deusa parecer,
“– Desaparece, eu!,”
desse parece-céu.
O fim é pai, mulher, povo: boi, medo.
Volto.
Fujo.
֎
Tudo de novo. Minha mãe me abraça. Me eternizo lá, eu: um rosto contra seu
peito. Um sapo beijando suas lágrimas, anfíbio no prazer e no medo. Minha mãe
soluça. Uma porta bate pás infinitos. Eu me afogo em seus peitos borbulhantes de
respiração que ondula em minhas bochechas. As batidas param. Minha mãe passa
a mão na minha cabeça pegajosa, asquerosa. Eu fico mergulhado naquele rio,
lamacento de carinhos. A porta reabre. O cheiro da cana histórica sobe, apodrece.
Mangue poluído: Rio Capibaribe. O boi chegou. O boi manda. O boi pode. O boi
pega a mãe pelo braço, arrasta pro quarto. Meu Capibaribe treme quente de olhos
esbugalhados. Pás e gritos se sucedem: de dor? De amor? Tudo vermelho e eu lá:
sapo inchado. De novo.
Fujo.
Os anos passam, lenço de ferro nos olhos. Chego à moça idade. Escondendo
meu inchaço, toco os primeiros segredos: um cego descobrindo ambientes com os
dedos. Desvelo os tons dos gritos e dos puxões de cabelo.
Sapo navegador, experimento os primeiros ventos de beira de ouvido. Ventos
ligeiros que fazem ondas nos rios. Rios que desbravo e vou nomeando: Rio da
Transa, Rio Escondido, Rio do Orgulho, Rio do Amor (rio sazonal, torto). Em
cada uma procuro o Capibaribe de antes da cana, virgem de Boi. Capibaribe
plumado. Capibaribe mãe do mar.
O que acho é rio que chamo d'A Mulher, rio bom de casar. Rio de pura
nascente, rio de brancos dentes. Tão brancos que estranho, mas que são brancos.
Desliso nos carinhos cronometrados da sua correnteza. Sútil, ela me leva à Longa
Igreja.
Suspiros de últimos desejos, presságios de medo, voltam a me inchar.
֎

5

Na igreja, orgia, muito amor no casório. Tendo A Mulher pelo anel me armo à
mais nova das coxas úmidas que me têm em vórtex. Giro em meio às pétalas
púrpuras jogadas pelo cardeal que nos cupula, sacramentando nosso menage. Um
pântano de minhocas, em êxtase suado, cobre convulsivo o altar, sujando de terra
fértil aquele templo asséptico, ressoando em paredes lisas a vibração dos sexos.
Faunos de flautas tocadas cantam nos oratórios. Nos confessionários gritam os
buracos de glória.
Igreja transubstanciada em carne
num imenso coral de prazeres!
Súbito,
um buquê voa.
A Mulher pega.
O anel cai.
De novo.
A Mulher colossa. A nova fecha as coxas que ainda ardem em fogo molhado,
foge. A jamais o rubro parido da escuridão dos seus cabelos. A trindade se desfez.
Eu fico sapo inchando aos pés da colossal, que brinca com o buquê, seu carinho,
rindo seu sorriso infernal. Aquele tamanho todo é boi renascido, rindo do meu
inchaço, espiando cada músculo da minha cara, cada ondulação da minha calça.
“– Idiota! Só resta do buquê em teu colo o sal, galhos sedentos, pétalas áridas!
O anel já se perdeu, chutado pelos convidados que saem em manada, ajeitando as
roupas, desenrolando os cabelos dos cornos da noite orgástica!”
Eu fico lá, sem resposta, só com a Mulher. Incho, incho, como o sapo da Fonte.
O templo corrompido de olhos bovinos expõe minha carne viva ao seu sorriso
demasiado.
Penetro as trincheiras úmidas de outras. Lá talvez posso enfrentar tal monstro.
Mas Vou de vão em vão.
As vezes, nu na noite traiçoeira, vejo os olhos cujos vermelhos lambem, mas
não posso tocar. Mesmo no mais sórdido dos buracos de serpente vadia, lá estão
aquelas duas esferas, me fazendo carinhos ásperos.
Não dá mais para fugir nessa tropa de trincheiras trêmulas: labirinto! Elas me
sujam de terra imunda, sem proteger da metralha que com raiva de chama me
inunda!

6

Nenhum buraco cabe o sapo que sou. Cada corpo que como é só mais um a me
inchar. Sou sapo inchado. Sou sapo inchando! Pareço imenso, mas é só o vazio
que me faz, me esmigalhando em cinzas às vistas do boi. Não dá mais!
֎
Como na lama não semeio fuga, ergo então meus olhos à cidade, que, felina,
rasga o céu em tiras. Vejo uma imensa babel de páginas amareladas. Devo domála. Lá em cima não me alcançará o boi de brasas oculares. Agarro com dedos
anfíbios as folhas desse livro que livrará minha justiça.
Vou subindo com o tempo. As páginas envelhecem. A poeira me sufoca. A boca
se abre sem beijar o oxigênio. Pulmões me cansam. Mas não posso parar. Torteio?
Ou é a torre que é torta? A aura vermelha do boi ainda me espera lá em baixo:
inferno. Vou continuar. Ar... Ar...Ar...
Um marcador diz: –Direito Penal, no meio do caminho infinito. Paro. Vou ficar
um pouco. Tomar um ar. Ar. Ar. Ar. A babel do conhecimento ainda morre lá em
cima, nas nuvens. Lá o ar dança virgem, nu... Mas aqui meus olhos, pulmões, já se
abrem melhor. Vou ficar. Só um pouco. Respirar.
֎
I
Aqui, no meio do conhecimento,
o horizonte é reto, beira lisa,
puncturado dos picos de cimento,
cidade, verme que nela deslisa.
Sou vigília atenta, sou o grande olho
que escrutina a respiração do mundo.
Medindo os passos, os excessos tolho,
impondo o cetro àquele chão imundo.
Do meio-topo toco só a essência
com as mãos calejadas de verdade.
Orgulhoso, sugo do ar a ciência,
granulada em poeira pela idade.
II
Rubras, aveludadas de direito,
minhas mãos, garras, se fazem presentes
farrapando os véus de todo defeito,
expondo à luz das mil merdas mil dentes.
7

O direito só é se for o ar,
sendo sempre onde o ser homem for.
Em cada ar está a estralar
seu martelo, justiça sem calor.
Meu corpo é encarnador de justiça
estando onde quer que diga o processo.
Como um grande urubu à carniça,
meu bico ao desgraçado vem expresso.
III
Pena é poder pipocando no tudo,
ontologicamente onipotência.
Ela é mão invisível de veludo,
esmagando pesada a delinquência.
Costas suadas de bárbaros tremem
à minha pena rapina e pairante.
Pena de cetro, de mil penas sêmen,
até à reles culpa fecundante.
Martelo, de Deus flagelo, farelo,
desintegro, desagrego. Entrego,
ralo o belo, o singelo: desfavelo.
O negro encarcero, presídios rego!
֎
Ó alturas, alteza que sombreia o chão,
rendo graças a ti, aurora de ascensão!
Tu és nobreza em livro, sábia e ancestral;
és verdade em camadas, navalha do astral;
és eterno vestido num terno de aço;
és uma ilha de almíscar num mar de sargaço.
És tu que eleva os bons, ó haste esplendorosa,
para além da aura lá debaixo, dolorosa.
Ela fede aos rios secos de lamas frígidas,
a suores mortos para tuas colunas rígidas;
a impurezas humanas de peles cafuzas;
a pernas sem cabeça zonzando confusas.

8






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