S. Barreto Pecados Consolados Contos (PDF)




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-1-

s. barreto

Pecados consolados

VirtualBooks Editora

-2-

© Copyright 2015, Saulo Barreto Lima Fernandes
(pseudônimo: S. Barreto)

1ª edição
1ª impressão

Todos os direitos reservados, protegidos pela Lei 9.610/98.
Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou reproduzida,
em qualquer meio ou forma, nem apropriada e estocada sem a
expressa autorização do autor: sauloblf@gmail.com
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Fernandes, Saulo Barreto Lima (pseudônimo: S. Barreto)
Pecados consolados. s.barreto. Pará de Minas,
VirtualBooks Editora, Publicação 2015.14x20 cm. 95p.
ISBN 978-85-434-0637-4
1. Contos. Brasil. Título.
CDD- 340

Livro editado pela
VIRTUALBOOKS EDITORA E LIVRARIA LTDA.
Rua Porciúncula,118 - São Francisco
Pará de Minas - MG - CEP 35661-177 Tel.: (37) 32316653 - e-mail: capasvb@gmail.com
http://www.virtualbooks.com.br

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MG:

Beijos Mudos
Não quero dar-t‟os na face,
Na lisa fronte não quero,
Nem quero um beijo que estale
Nos lábios com todo o esmero:
Eu quero um lânguido beijo,
Mudo abrasado de pejo.
Não quero que ninguém saiba
Que eu te beijei, meu encanto;
Eu gosto dos beijos mudos,
São beijos que sabem tanto!
Depois – as brisas loureiras
São por demais chocalheiras.
Basta que os lábios se rocem
Mudos, bem mudos de pejo;
É testemunha indiscreta
A brisa de um som de um beijo,
Pode contar no arvoredo
O que se fez em segredo.
E as flores podem ter zelos
Invejar nossa ventura
Podem ferver tantos beijos
Nas flores pela espessura!
E podem brisas e flores
Divulgar nossos amores.

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Por isso delícias minhas,
Toma um terno e mudo beijo!
Não é mais doce e macio?
Não tem mais fogo e mais pejo?
Um beijo assim sabe tanto!
Toma inda outro, meu encanto!
José Coriolano

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Índice

Na velocidade da internet / 07
Um bode na terra do boi / 15
O „autêntico‟ filho da p... / 41
Pecados consolados / 57

A princesa e o patinho (por Miriam
Martins) / 89

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Na velocidade da internet
Numa impulsão frenética, comum nos
tempos modernos, dois jovens começam a se
corresponder via internet. Ele, Márcio, é formado
em jornalismo e digitador em um popular jornal da
cidade, mora num estado do norte do país. Ela,
Catarina, ex-universitária, reside em uma outra
cidade bem distante da que mora Márcio. Catgirl,
nickname dela, ao pesquisar aleatoriamente o perfil
dele exposto num desses sites de relacionamento,
se interessa em conhecê-lo. Para não perder tempo,
logo ela lhe manda um e-mail convidando-o para
um bate-papo on-line, marcando horário e data
para um encontro virtual.
A moça, já cansada das mesmices de
relacionamentos esporádicos, intenta viver novas
experiências. Já ele, até então alheio a essas
novidades, tinha como único objetivo, à primeira
vista, somente seguir uma tendência moderna de
comunicação. Um certo dia, chegando ao seu
trabalho, percebe que na caixa de entrada de seu email, marcio26@netmail.com, havia um sugestivo
convite para um bate-papo, com o seguinte teor:
Olá, Vi seu perfil na internet e achei que poderíamos nos
conhecermos melhor, que tal? Espero respostas.
Beijinhos. Assinado: Catgirl.
O aspirante a jornalista, surpreso com a
novidade, logo se anima e, ansioso, responde
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aceitando e confirmando o tal encontro para a hora
e a data, por Catgirl, sugeridas. E às onze da noite
do dia combinado, os dois, devidamente on-line,
começam a conversar em forma de bites:
― Olá, Márcio, é você?
― Sou eu sim, tudo bem?
― Tudo. Achei que não fosse aparecer.
― Pois é, mas apareci.
― Ah, você sabe, às vezes a gente combina
com alguém no chat e nem dá certo.
― Mas eu disse que ia aparecer. E aí está
contente em falar comigo?
― Estou, muito. Na verdade eu quero é
conhecer pessoas diferentes, você sabe né, sair da
rotina.
― Você mora onde?
― São Paulo, capital.
― Eu moro em Belém.
― É, vi em seu perfil.
― Conhece?
― Não, só pela TV, Amazônia essas coisas
sabe? Aí deve ser bem legal...
Iniciadas as devidas apresentações, a
conversa flui dentro das normalidades. A
sinceridade, por precaução de ambos, fica de fora,
mas só por enquanto. Na verdade, tudo é uma
novidade para ele, que mal sabe usar as gírias
comuns nesses tipos de bate-papos, tenta escrever
tudo de forma correta, demorando a entrar no
clima. Já “Cat”, acostumada com a interação
virtual, não se importa com a gramática, abusa nas
palavras abreviadas, mostrando, até mesmo, uma
certa agilidade ao teclar suas respostas. Depois de
um certo tempo, como era de se esperar, as
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conversas começam a ficar mais invasivas.
― Pois é Catgirl já é a terceira vez que
converso contigo e ainda nem sei teu nome de
verdade.
― Mas você nem perguntou.
― Não seja por isso, pois qual é?
― Catarina. Quer meu CPF e RG também?
(risos).
― Por enquanto não. E o que tu fazes?
― Eu fazia turismo, mas tranquei no
terceiro período, depois que...
― Depois que o quê?
― Ah, deixa pra lá. Esquece.
― Pois é, deve ser muito legal estar sempre
viajando...
― É, mas eu ia ser turismóloga, não turista
(risos).
― Verdade, bem lembrado.
Márcio, a partir de inúmeros encontros
virtuais, acaba criando um certo vínculo afetivo
pela moça, tentando, a cada conversa, uma
aproximação mais íntima com sua paquera virtual.
Ela, ao revelar alguns dados pessoais de sua vida,
também demonstra o mesmo, mandando-lhe até
mesmo algumas fotos, a pedido dele, lógico.
Porém, a experiente moça, tenta a todo custo, ser
mais prudente no relacionamento, haja vista que os
dois residem longe um do outro.
Passado algum tempo, Márcio recebe um email, de um rapaz identificado como Jota, dizendo
o seguinte: Olá, Você não me conhece, mas eu gostaria
de esclarecer que sou “ex” de Catarina e nós, mesmo sem
estarmos mais juntos, ainda mantemos um forte laço de
amizade. Ela foi uma pessoa muito especial pra mim,
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inesquecível... Peguei seu e-mail só para oferecer-lhe um
conselho de amigo. Tome bem conta dela e a trate com
carinho, ok! Assinado: Jota.
Pego de surpresa, ele logo corre para contar
a novidade pra ela, perguntando sobre esse tal
“Jota”, que, na verdade, se chama Jefferson. A
moça logo esclarece que eles namoraram por três
anos, que ele foi tatuador dela e que, por isso,
ainda nutrem uma amizade saudável. Isso, de certa
forma, acabou fazendo que Márcio aumentasse
ainda mais seu desejo em
conhecê-la,
pessoalmente.
Passados alguns dias, Márcio toma uma
atitude e escreve uma carta, a punho, para
Catarina, juntamente com um cartão postal de sua
bela cidade, dizendo: Catarina, desde que passamos a
nos comunicarmos me agradei de ti, de verdade, e quero
urgentemente te conhecer. Não posso mais conviver com
essa distância e agonia. Ou a gente combina em se ver
ou é melhor terminarmos por aqui. Ele usa o artifício
da carta como última tentativa para os dois
definitivamente se encontrarem, pois, àquela
altura, já estaria apaixonado pela internauta. Ele
chega a propor em arcar com todo o custeio das
passagens e despesas, tanto na ida como na volta
da pretensa amada.
Catarina, emocionada e disposta a
aventurar-se, decide então sair da frente da tela do
seu computador, atendendo o convite, partindo
para cidade do moço. Combinados hora e local da
chegada do voo e a cor da roupa que cada um
estaria vestido no aeroporto, os dois finalmente se
encontram. Abraços e sorrisos tomam a cena. Eles
se mostram bem alegres, Márcio só achava que
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-

Catarina fosse um pouco mais cheiinha. Ela, da
mesma forma, achou que ele fosse mais alto e, como
ela não sabe perder tempo, logo emenda uma
conversa.
― Finalmente nos encontramos, seu Márcio.
― Pois é, como se foi de viagem, estás
cansada?
― Um pouco.
― Está pesado a mala? Deixa que eu carrego.
― Sabes o que tem dentro?
― Nem imagino.
― Meu netbook...
― É, mas por enquanto não vamos precisar
dele, certo? Agora é olho no olho.
Márcio ainda mora com toda sua família,
que é bem conservadora. Por essa razão, ele prefere
se hospedar com sua amada longe de casa, em um
hotel antigo no centro histórico da cidade,
fechando a hospedagem, por uma semana.
Chegando ao quarto de número 201, Márcio toma
Catarina em seus braços e tasca-lhe um beijo
sufocante, sendo logo retribuído de igual forma.
Ao tentar seguir adiante, ela pede para ele ter
paciência, e que tudo ia “rolar” de uma forma bem
especial. A noite chega e os dois aproveitam o
momento para passarem o tempo todo
conversando e se conhecendo, depois disso, eles
finalmente, descansam.
No dia seguinte, um nebuloso sábado, os
pombinhos tomam o café num clima bem
romântico, logo depois, saindo para mostrar à
curiosa viajante, um pouco mais dos inúmeros
atrativos da cidade. A turista fica impressionada
com a nova cidade. Juntos visitam museus, praças
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e monumentos, tirando várias fotos na máquina
dela. No almoço, os dois param no imenso e
pitoresco mercado Ver-o-Peso que vende de tudo e,
em um quiosque, pedem um prato típico da região
para dois. Ao pararem para provar um refrescante
sorvete de uxi, Catarina começa a dar detalhes de
sua vida, nada convencional, para um Márcio
atento:
― Sou órfã de pai e mãe, fui criada, primeiro
por minha vó materna, depois, quando ela morreu,
fui para casa de minha madrinha ficando lá até
completar meus vinte anos. Depois, não quis mais
ficar lá e fugi. Já fiz de tudo, trabalhei de babá,
garçonete e telefonista, morei em albergue...
A moça, no auge de seu depoimento, afirma
que a maioria dos seus relacionamentos foram
curtos, mas que quase chegou a se casar. Ela
também conta que é moderna, gosta de baladas,
sair e “pirar” em boates.
Depois do descanso do almoço, os dois
regressam ao hotel, tomam banho, e o esperado
acontece, Catarina toma iniciativa e beija o moço,
arrancando-lhe toda sua roupa jogando-a no chão.
Ao despir Catarina, ele nota, nas costas dela,
dentre outras, uma enorme tatuagem, em letras
garrafais, com o seguinte dizer: “NÃO TEM MAIS
JEITO. ACABOU. BOA SORTE!” e logo abaixo,
quatro pequenas estrelas coloridas, cada uma com
uma pequena letra dentro. Márcio estranha, mas,
num impulso instantâneo, puxa seu único
preservativo da carteira, tendo então, a tão
esperada conjunção com Catarina.
Após conhecê-la, os dois tomados de prazer,
acendem um cigarrinho, e ele, como todo e bom
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aspirante a jornalista, pergunta o porquê de tantas
tatuagens e os respectivos significados, em
especial, daquela frase que toma as costas dela de
ombro a ombro. Ela fala que é só uma maneira de
se expressar, e que a maior era só um trecho da
letra de uma música que ela muito gosta, cantando
o refrão.
Ao ser perguntada sobre as estrelinhas, a
agora insaciável moça o interrompe com um beijo
de língua, iniciando uma nova sessão de amor. O
rapaz ao perceber que não possuía mais
preservativo, não se importa e segue copulando
mais uma vez com a liberal moça, sendo assim,
praticamente, toda a semana que se seguia.
Viveram, literalmente, uma louca aventura de
amor, nada mais.
Ao se aproximar do retorno dela para São
Paulo, antes de desembarcá-la no aeroporto, os
dois saem para um último encontro, dessa vez, um
jantar patrocinado pelo anfitrião num dos
restaurantes mais sofisticados de um bairro nobre
da cidade. O clima é amistoso e, entre garfadas,
goladas e troca de palavras, Márcio, meio tenso,
decide então fazer uma revelação.
― Catarina...
― Sim.
― Eu gostaria de dizer-te algo. Já que um
relacionamento entre nós não será possível, eu me
sinto à vontade em te revelar uma coisinha. Na
verdade, não estava naquele site de relacionamento
por acaso. Eu trabalho já algum tempo em um
importante jornal daqui, me formei jornalista, mas
ainda não consegui meu espaço como tal. Quando
fui conversar com o editor-chefe da redação ele
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disse que ia me dá uma oportunidade somente se
eu conseguisse fazer uma boa matéria. Eu já
apresentei duas matérias, mas nenhuma a
contento. Ele disse que faltava veracidade nas
minhas palavras. Então foi quando ele me deu a
ideia de fazer uma reportagem onde eu pudesse
fazer parte, aí ele me sugeriu para que falasse sobre
relacionamentos na internet abordando suas
vantagens e riscos, onde tal registro teria que ter
uma boa dose de realismo. Mas aí não imaginava
que nosso relacionamento fosse chegar a esse
ponto, eu tenho até namorada...
Por fim, envergonhado e preocupado com a
reação da moça, pergunta:
― E aí, ainda somos amigos? Não te
preocupes, pois não vou citar nomes de ninguém
na matéria.
― Lógico, que bobagem! Somos amigos sim.
Márcio estranha a indiferença da moça ao
receber a notícia. Ela ri levemente, logo acalmando
o embaraçado rapaz, seguindo com ele para o
aeroporto. Chegada a hora da partida, entre afagos
e abraços, ela sai, para o salão de embarque, mas,
inesperadamente, retorna chamando-o para um
último beijo e abraço falando sussurrantemente em
seu ouvido:
― Meu amor, você não é o único a ter um
segredo nessa história. Eu também tenho algo para
te contar. O que eu posso te dizer agora é que você
terá uma história bem mais emocionante para a sua
matéria. Assim que chegar em casa te conto tudo
por e-mail, tá? Te cuida e adeus...
Ele fica curioso, ou melhor, curiosíssimo,
com a inesperada novidade. Passam-se as horas e
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na segunda seguinte da viagem de retorno da
moça, chega um e-mail para Márcio, a maior bomba
de sua vida, com o assunto: Não tem mais jeito.
Acabou. Boa sorte! Ao abrir a nova mensagem, ele
lê: E aí Márcio como te disse, vou te revelar uma coisa
um tanto quanto desagradável, mas espero que você
acabe se acostumando como eu. Na verdade, eu também
não sou muito daquilo que te disse quando estava aí. Eu
ainda estou namorando com o Jota lembra aquele “ex”.
Pois é, numa de nossas aventuras sexuais acabamos
contraindo uma mortal doença, até hoje, incurável.
Nesse momento, o coração de Márcio
dispara, ele treme, pois sabe que realizou o maior
erro de sua vida. Naturalmente, o agora
contaminado entra em desespero e, ao mesmo
tempo em que lê o segundo trecho do e-mail, cada
vez mais devastador, também torce para que
aquilo tudo fosse mentira, mas não era, e segue
lendo: Pois bem, decidimos então aumentar nosso
“clube” fazendo uma espécie de pirâmide. Ele fica com as
mulheres e eu com os homens. E parabéns você é o mais
novo integrante dele. Seja bem vindo! ATENÇÃO! Isso
não é um trote. Te aconselho logo a fazer os exames e
fique calmo, agora viva sua vida intensamente e
loucamente, pois como a gente, lhe resta menos tempo
aqui na terra. E outra coisa, o Jota já até tatuou em mim
uma homenagem pra você, uma quinta estrelinha com
sua inicial “M”. E quanto a sua tão sonhada matéria,
meu bem, já tenho até um título sugestivo pra ela: Não
tem mais jeito. Acabou. Boa sorte!

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Um bode na terra do boi
Eram sete horas da manhã de uma segundafeira. Atrasado, e de mochila pronta, Genésio
Pereira, próximo de completar duas décadas de
vida, Bacharel do curso de Filosofia e concludente
de mestrado parte; mais com a cara que a coragem,
rumo à ilha de São Luís do Maranhão. Genésio, era
tido por todos, como um “geniozinho”. Aos 16
anos, na época que prestou vestibular, ficou entre
os 5 primeiros vestibulandos classificados na
pontuação geral. Seu nome foi anunciado com
pompa, por toda mídia através do então
governador do Estado nos átrios do Palácio do
Karnak.
Teve score suficiente para ingressar em
qualquer curso: medicina, direito, engenharia,
sistemas de informação... mas, sua maior paixão
era a filosofia, a mãe de todas as ciências. Todos
achavam isso um grande desperdício, pois ser
“filósofo” não dava dinheiro. Entretanto, seu maior
sonho era tornar-se pós-doutor em filosofia antes
dos 30 anos de idade. Poucos sabiam, mas até
universidades americanas, suecas, chinesas,
japonesas e europeias sondavam levar o rapaz para
suas instituições.
Pois bem, Genésio embarca no precário
ônibus da empresa Viação Princesa do Parnaíba, na
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plataforma 13, da cognominada “Rodoviária dos
Pobres” da sua calorosa cidade de Teresina no
Piauí, rumo ao seu destino. Local que não
conhecia, mas que fora escolhido, por sua
proximidade geográfica, além de ser também, um
campo propício de colheita de amostragens
empíricas para composição de sua dissertação
acadêmica, que tinha como tema algo do tipo: “A
filosofia pós-moderna da miséria humana e social:
comparativo Teresina/São Luís”. Partira depois do
aval de seu (des) orientador e companheiro de
partidas de gamão, o incorrigível, boêmio, decano,
Professor, Mestre, Doutor, PhD, Benemérito, não
sei lá das quantas, Puskas.
A viagem apesar de curta, foi estressante,
com diversas e longas paradas no meio da estrada.
Teve de tudo nesse deslocamento. Carro quebrado
- por conta da má conservação das rodovias pessoas viajando em pé, a porta do banheiro não
trancava, empestando com odor de urina ônibus a
dentro; crianças berrando (outras vomitando
Nescau no corredor) e por fim; para terminar de
completar, toda uma sinfonia malsoante, do
cacarejar de galináceos advindo de pequenas caixas
furadas, em cima das cabeças dos passageiros. Para
tentar não se estressar e pegar no sono, Genésio se
ocupa em olhar, distraidamente, pela janela, os
andarilhos perdidos, os infindáveis babaçuais e as
fazendas de gado, ambos muito comuns nessa
região.
No alto de Peritoró, há mais uma detença, só
que desta vez, para almoçar. Porém, antes,
passageiros que iam embarcar ou desembarcar se
misturavam aos vendedores ambulantes que
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entravam nos ônibus para vender, com muita
insistência, água, milho cozido, laranja, castanhas,
pamonha, causando enorme tumulto. Ele, mesmo
com um pouco de fome, prefere não almoçar. Sai
do ônibus e logo percebe lá distante na vitrine em
destaque um refrigerante róseo. Curioso, ele
pergunta o que era, e acaba descobrindo que era o
famoso guaraná Jesus. Sem querer perder a
oportunidade de experimentar a tal bebida, não
pensa duas vezes e pede uma garrafa KS mais uma
suculenta coxinha oleosa requentada de ontem.
Já próximo da ponte que liga o continente a
ilha, lhe chama atenção o verdejante Campo de
Perizes. Pouco dava pela enxergar seu horizonte. Já
caía a noite, somente se via pela penumbra, uma
vasta vegetação que mais se assemelhava as
plantações de arroz do Vietnam, além de
intermináveis vagões de trens de minérios,
enxotando algumas poucas garças, que fugiam
sobrevoando por sobre a rodovia, em direção as
gigantes torres de energia para se refugiarem.
Passada toda essa aventura e com bastante atraso,
às 8 da noite o viajante finalmente chegara a seu
destino final, na ilha de São Luís do Maranhão, a
ilha do amor. Já na rodoviária, um empolgado trio
de forró pé de serra, recepciona os visitantes
cantando um xote bem sugestivo de autoria do
gênio negro maranhense, João do Vale: “Peguei um
trem de Teresina pra São Luís do Maranhão/Atravessei
o Parnaíba, ai, ai que dor no coração”.
Sem nem se quer prestar atenção o que dizia
a letra da música entoada, o viajante segue em
direção ao guichê para comprar a passagem de
volta, já no sábado seguinte, às oito da manhã.
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Feito isso, retoma seu caminho, ansioso para
chegar a sua hospedagem para, finalmente,
descansar. Como orientação na cidade, só possuía
um pequeno e surrado papel anotado com o tal
endereço que seu velho mestre Puskas havia lhe
dado. Logo no caminho, ele é assediado por uma
série de taxistas, alguns com intuito de subir o
preço da viagem, frente ao semblante ingênuo do
recém-chegado. Alguns tentam na disputa, até sua
arrancar sua mochila de supetão e com muita lábia,
convencê-lo para ingressar numa dúbia corrida.
Porém, suspeitando que pudesse cair em maus
lençóis, como todo e bom estudante que se preze e
com pouco capital, logo ele recorre ao velho e
eficiente moto-táxi.
Posto o imundo e fétido capacete,
devidamente montado na garupa de uma CG 150
bem precária, percorrem os dois pelas longas
avenidas ludovicenses, que mais pareciam longos
corredores expressos, antes só vistos por ele, em
grandes metrópoles nos filmes. Não teve jeito
mesmo para o nosso viajante. O motoqueiro, um
embusteiro fino, aproveita para passar em vários
lugares só para aumentar o preço da viagem.
Passa, propositalmente, por viadutos gigantescos,
contrastando com grandes espaços vazios cheios
de vegetações. Pouco antes de chegar ao centro ele
passa na Beira-Mar, vê o cais da Praia Grande e
admira com grande júbilo, a maré cheia, com
barcos de viagem aportados que fazem traslados
para Alcântara, subindo e descendo consoante o
balanço do mar.
Ainda, abrilhantado com o que vira, segue
em direção até a Praça Deodoro. Nesse instante, o
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tímido e eterno universitário pede para o
mototaxista parar, ele o paga e desce pela erma
Rua Grande. Com certo receio, corta todo o centro
até chegar ao local de sua hospedagem. Vê os
casarões antigos agora ocupado por lojas dos mais
variados segmentos. O antigo cinema do Éden lhe
chama mais atenção e o faz parar para
contemplação. Sua vaga, era numa república de
estudantes instalada em pleno fervor do Centro
Histórico de São Luís, situada na Rua da Estrela, já
quase próxima ao bairro do Desterro.
O rapazote fica maravilhado com
as
calçadas de pedras de cantaria, com os casarões
antigos, sobrados, fontes e mirantes. Porém se
perde rapidamente quando se vê submerso por um
cortejo de manifestações culturais maranhenses
congestionando as ruas de pedras de todo o
Reviver. São apresentações de grupos e de
personagens dos mais diversos aspectos: danças
africanas, a Bandida, blocos tradicionais, cacuriá,
cazumbás, boi de matraca, fofões e caixeiras do
Divino Espírito Santo. O rapaz observa surpreso
perante tamanho brilhantismo dessas ricas e
pulsantes expressões artísticas. Pacientemente, ele
espera o passar das brincadeiras e sai.
Chega, finalmente, na porta de entrada de
sua nova estadia. Um imenso casarão com sérios
problemas estruturais. Contudo, apesar da falta de
preservação arquitetônica, não deixava de
transluzir toda sua beleza. Era todo revestido de
azulejos português, tinha três andares, compostas
por quatro grandes sacadas cada uma cercadas por
um gradil bem trabalhado. As eiras e beiras faziam
o arremate final dessa grande obra de arte em
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formato de casa. Lá é recepcionado pelo “moradorestudante” Luís, que também é como uma espécie
de líder do local. Este, muito desinibido não perde
a oportunidade e logo intenta um gracejo de boas
vindas:
– Você deve ser o comedor de bode, né?
Antes mesmo de esboçar alguma reação, o
novato é surpreendido por um sonoro arroto vindo
da cozinha em direção aos seus ouvidos. Genésio
trava, e de expressão fechada, expõe certa
animosidade a pergunta do líder. Contudo, se
refazendo, trata de respondê-lo, ainda que
secamente:
– Sou o concludente de mestrado. – diz ele.
Reforça, ainda, que havia conseguido uma
vaga naquele local, através de sua universidade. O
carismático líder vendo que fracassara ao tentar
uma aproximação com o visitante logo lhe
encaminha para seu quarto. Eles sobem três
andares, numa escada de madeira e finalmente,
chegam a sua acomodação. Luís lhe dá as chaves,
dizendo:
– Bom, meu caro, seu quarto é esse aqui, o
de Nº 34. Tem luz, mas, aqui a água é dia sim e dia
não. Se você precisar de alguma coisa você pode
falar com a Dona Fátima, ela tá aqui quase todo dia
cuidando de nossa comida e lavando algumas
roupas. Qualquer coisa, é com nóis!
– Ok. Obrigado!
Devidamente alocado, o estudante entra em
seu quarto e observa logo, o assoalho de madeira
de lei antigo e mofado cheio de frestas que dava,
até, para ver o que se passava no andar abaixo. Os
móveis eram antigos e extremamente danificados.
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Seu banheiro havia uma janela enorme arqueada
dando vista a parte do Centro Histórico do qual dá
para ver as chaminés das antigas fábricas de tecido
e uma pontinha do braço do Rio Bacanga. Já
ambientado, desfaz sua mochila retirando,
primeiramente, toda sua parafernália para
pesquisa: seu laptop, livros de referências
obrigatórias e rascunhos do que já havia feito.
Genésio vendo que já estava na hora de tomar um
de seus comprimidos controlados do dia, procura
sua caixinha de remédios e não os acha. Se
desespera... Afinal de contas, sua médica tinha sido
muito enfática ao lhe prescrever, que ele, não
poderia em hipótese alguma, se abster de tomar
aquelas pílulas.
Ele cai em si, e vê que se encontrava com um
problemão. Esqueceu seus comprimidos nos
bancos de espera da rodoviária de Teresina, ao seu
lado, no momento que aguardava a saída de seu
ônibus. Nesse instante, ele fica atribulado. Pensa
em logo comprar outros, mas, vê que não possuía
dinheiro suficiente para mais essa “despesa extra”,
pois se assim o fizesse, sua pesquisa estaria
seriamente comprometida. Já é de se notar, que
prefere o estudante prejudicar sua própria saúde,
do que por em xeque o andamento de sua
pesquisa. Aumentar mais e mais seu cabedal
intelectual era o seu único norte, seu único
propósito de vida, seu único deus.
Mais tarde, ao pensar melhor, não vendo
outra saída, ele toma uma difícil e arriscada
decisão. Para justificar seu erro, presume que sua
médica exagerava e que não ia acontecer nada de
grave caso não os tomasse naquela semana. Decide
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então, por aproveitar o relapso, para se livrar um
pouco dessa ingestão química, haja vista que eles
também lhe causavam alguns efeitos colaterais
nada agradáveis. Dia longo, exausto, Genésio se
debruça em seu estreito colchonete nada
convidativo e dorme.
No dia seguinte, logo pela manhã, ele entra
em contato com sua avó-tia solteirona e tutora,
Gumercinda, para informar que tinha chegado bem
e que a cidade que estava, era bem diferente da que
mora. Para não preocupá-la, ele não toca no
assunto do esquecimento dos medicamentos.
Genésio é o terceiro de seis de irmãos. É retirante
de uma cidade do interior do Piauí, assolado pelos
ciclos duradouros da seca. Seus pais são lavradores
analfabetos e paupérrimos duma cidade do sertão
piauiense chamada Guaribas; e que sempre viram
nos estudos, a única maneira de melhorar a vida
dos filhos.
Segue ele, destemidamente na sua missão. Já
mais tarde, na república, Genésio abre um mapa da
cidade que ele mesmo montou mais uma longa
lista telefônica. Começou a traçar com um lápis o
percurso de alguns bairros periféricos para iniciar
sua pesquisa. Nesse instante, é surpreendido por
um sonoro e efusivo bater a sua porta. Ele, agora
mais solícito, abre e percebe que um antigo vizinho
e único amigo de infância do primário, também
estava por lá, dizendo:
– Rodolfo é você cara! O que tu tá fazendo
aqui?
– Cara vim ver um show de heavy metal,
massa ó, dos Strongswaryus. E tu brother?
– Ah! Vim passar uns dias aí para terminar
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minha dissertação. Cara quanto tempo?! Tu tá
mudado, mas que coincidência!
– É verdade. E aí já curtiu a cidade? Já viu a
morte do boi?
– Morte do boi?
– É cara, do boi. É massa ó, essa época tá
cheio desses grupos aí se apresentando. Cara tem
cada índia...
– Quando tu acabares com esse trabalho,
vamo dá um rolé pela cidade. Vou te mostrar umas
paradas muito loucas. Vamo pirar.
– Está bem vamos sim, só pra conhecer...
– Fechado. Então depois passo aí, pra gente
sair. Falôu!
Genésio confirma a saída para o final de
semana na sexta, mas só para não frustrar a
expectativa de seu amigo de infância que há
tempos não via; mais precisamente, assim que
começou seu tratamento, pouco após de uma
“pequena crise”. O dia que encontrou Rodolfo era
terça. Quarta e quinta ele se dedicaria,
exclusivamente, na produção de seu trabalho, para
depois repassar o que produziu, para a análise de
seu professor, que a essa altura já queria algo para
analisar e corrigir, se fosse o caso.
Sexta, estaria livre, para sair com Rodolfo,
seu amigo. Sábado, teria que estar de volta para
casa. Rodolfo diferente de Genésio, leva uma vida
totalmente desregrada, sem compromissos e
totalmente entregue as coisas mundanas. Têm na
sua vida pregressa, várias peripécias. Tinhas sido
até detido em delegacia por furto e baderna. Era
um errante contumaz, igual ao Genésio, só que às
avessas. Não ligava para os estudos, nem para o
- 23 -

Estado, era uma espécie de punk. Fumava, bebia e
tinha vida sexual muito ativa.
É
quarta,
Genésio
parte,
então,
intrepidamente para o campo. Na verdade, não se
sabe o que realmente protegia Genésio nesta
cidade. Ele teve que entrar em várias comunidades,
muito delas com grave histórico de violência.
Apesar de tudo isso, nada de mais grave lhe
acontecia. Mas como já dito antes, nada é mais
importante para ele do que seus estudos, sua
formação. Além do quê, para dá embasamento
técnico ao seu trabalho ele teria que anotar
impressões de fazer algumas entrevistas com
moradores desses locais, relativizando a miséria
presente nas teorias dos filósofos clássicos e
contemporâneos e estas, presente na realidade
nordestina. O mais difícil não seria chegar lá, mas
conseguir a confiança do informante para coletar
os dados que necessitava.
Ele se dirige ao primeiro bairro para
pesquisa de campo. Vai para a Ilhinha localidade
muito pobre, cheias de palafitas suspensas por
ripas de madeiras em cima dos mangues. Pessoas
vivendo debaixo da ponte do São Francisco,
barracas improvisadas cobertas, dentre outras
coisas, por banners gigantes de propaganda de
Governo e grandes empreendimentos. Uma
contradição tipicamente brasileira. Lixos e entulhos
a céu aberto, crianças subnutridas andando de pés
descalços no chão sujo e esgotos em meio a ratos e
animais com calazar. Bocas de fumo controladas
por perigosos traficantes chefes de facções
criminosas são constante. Depois de vários “nãos”
e “portas na cara”, ele entristecido decide ir
- 24 -

embora, por não ter conseguido nenhuma
entrevista. Ele vai saindo quando nesse momento é
abordado por uma senhora.
– Ei garoto! Venha cá. O que tu faz aqui? Vá
já embora! Aqui é muito perigoso!
– Já estou indo senhora, só estava...
–Vai-te embora logo. Tá vendo aqueles
meninos ali. Eles vão já te meter o bicho. Tu não é
da área...
– Tá, já vou sim.
– Sim, mas, peraí. Antes de ir, me diz o que
tu estavas fazendo? Você é esquisito. És da
prefeitura?
– Não, não só estava colhendo alguns dados
para minha pesquisa.
– Pesquisa!? Ninguém nunca veio fazer nada
aqui. O pessoal só vem aqui em época de política
pra pedir voto. Vem aqui, vamo lá em casa. Vou
ver se posso te ajudar sou líder comunitária de
todo esse pessoal aqui, meu nome é Trindade dos
Santos.
A essa altura, não imaginava Genésio, que
teria mais que uma simples entrevista para sua
dissertação, mas sim, todo um relatório daquela
região e do modo de vida dessas pessoas. Trindade
é negra e tinha um triste histórico de sofrimento de
violência doméstica. Apesar de tudo, sempre foi
uma pessoa muito batalhadora. Viveu sendo
espancada e estuprada pelo ex-companheiro por
mais de dez anos. Hoje, ela cuida sozinha, de
quatro filhos costurando pra fora e fazendo diárias
em “casa de branco”. Ela e mais um grupo do
interior foram os primeiros a chegar naquela região
e ocupar aqueles casebres e palafitas. Mas com
- 25 -

muita luta, ela tinha conseguido levantar próximo
dali uma casa de alvenaria. Genésio, sentado,
elabora suas perguntas e ela, responde tudo bem
detalhado, praticamente tudo que ele esperava
ouvir.
Genésio estava com a peixeira e o peixe na
mão. Passaram horas e mais horas conversando e
debatendo sobre as condições de vida miserável
daquele povo. Também ela se compromete a
indicá-lo a sua irmã que mora em outro bairro,
para melhor captação de outras informações para
enriquecer seu trabalho. Poderiam ir ao Bairro
Liberdade, onde ela tem muitos amigos por lá.
Mas, antes, ela teria de fazer todo um ritual de
purificação e lhe dá um banho defumado de ramas
figo. O gesto era para proteger-lhe das más
intenções. No final ao se despedirem, ele já saindo,
ela pergunta:
– Ah, quer dizer então que você é da terra
do bode? E lá, como é que é a situação do povo?
Ele dá um leve sorriso de canto de boca e
fala:
– Não tem muita diferença não senhora. É a
mesma daqui. Tchau e obrigado por tudo.
Volta então, para a república já como um
vasto material a ser analisado e desenvolvido. Se
debruça avidamente em seus escritos tendo intensa
atividade intelectual, passando todas as anotações
que vira para o computador. Só com essa
informação escrevera, rápido, 8 páginas. Ele se
anima, pois tem em mãos, considerações muito
importantes. Não que esse encontro seja o principal
mote para sua dissertação filosófica, mas saber o
que realmente acontece na prática, é para o
- 26 -

estudante, de grande valia, pois assim ele
“humanizava” seu trabalho. Sua intenção não era
ter um trabalho meramente científico, mas sim
adequar o que aprendera na universidade a
realidade que ele tão bem conhece e presencia
diuturnamente.
Em meio a essa intensa e solitária atividade,
outros estudantes do abrigo, ao passarem pelo
corredor, estranhavam os reiterados barulhos
advindos do quarto 34. Ora escutavam
gargalhadas, ora conversas e outras vezes, até
brigas. Ademais notavam também que esses ruídos
iam ficando mais intensos a cada hora que se
passavam. Dona Fátima mesmo já pensou até em
chamar ajuda quando escutou uns gritos dizendo:
“Calem a boca vocês vão me deixar louco...” Dois dias
já se passaram e nada de remédios. Nessa hora
nada lhe fazia mais falta. O foco era partir para o
campo e terminar de vez, essa bendita dissertação.
Quando então, na quinta de tarde, pelo
contato que Trindade havia lhe dado, ele parte
para o bairro da Liberdade. Adentrando pelas ruas,
vê uma pequena feira no meio da rua já se
desfazendo. Entra pelas vielas olha meninos
soltando papagaio, outros jogando Beti. É quando
ao fundo, chega aos seus pavilhões auditivos um
som, um forte batuque. Era o som de pandeirões e
maracás, igual ao que tinha escutado assim que
chegara a ilha. Seguindo o som chega a uma
quadra, onde havia um grande ensaio do Boi de
Matraca da Liberdade. Brincantes festejavam,
ensaiavam e faziam grande festa. Havia todos os
elementos da festa o boi, a Catirina, os vaqueiros
de fita, índias, e claro, o amo do boi cantando
- 27 -

várias toadas compostas criativamente por ele
mesmo. Genésio já sabendo do que se tratava,
senta um pouco na arquibancada e aprecia o que
vê.
Em dado momento espetáculo, eis que surge
aos olhos de Genésio, uma índia. Ela feliz, dança
graciosamente, seus pés flutuam pela quadra. Tem
uma postura esguia, decidida, igual a de uma
princesa oriental. Seus gestos, demasiadamente
femininos, valorizam mais ainda suas silhuetas.
Linda, simpática, com um sorriso meigo e inocente
no rosto. Tal como seus belos olhos, seus cabelos
eram pretos escuros e bem lisos. A frente do rosto
uma partinha que vinha até a altura de suas
sobrancelhas.
Nas costas eles repousavam graciosamente
até sua cintura. A olho nu, não se percebe em sua
pele, ocorrência de pêlos, de cicatrizes ou algo do
gênero. Sua cor era morena clara da cor de cobre
levemente queimada pela luz do sol da praia.
Tinha barriga e seios tal como sempre foram,
herdados de sua adolescência. Os quadris eram
largos, já de uma mulher. Suas pernas grossas e
bem torneadas moldadas pelo esforço contínuo da
dança.
Genésio a olha e fica extasiado. Era, como se
a partir dali, em sua mente estivesse instalado um
imã. Essa incontrolável atração, o faria não mais
desgrudar nem o olhar e nem o pensamento
naquela moça. Não conseguia mais deixar de fixar
seu olhar aos movimentos e cada passo da
coreografia que a índia dava. A essa altura as
sinapses de seus aquilatados neurônios já não se
mais conectavam a contento. Não imaginava como
- 28 -

poderia existir, uma moça tão bonita, de rara e
natural beleza. No último ato da apresentação ela é
suspensa pelas pernas por dois dançarinos e ao
alto, manda um beijo em 360º para toda a plateia.
Como era ensaio e não havia espectadores ela
dirige então, seu beijo para Genésio um dos únicos
que apreciava o ensaio.
Ele fica totalmente desconcertado com a
homenagem, explode de nervosismo, pois viu que
ela o percebeu ali. Algo fala dentro do seu coração.
“Vai lá. Chega até ela. Essa é a sua chance”. Como um
tímido rapaz que nunca havia nem sequer tocado
numa mulher poderia ter tanta coragem de chegar
assim do nada na moça mais bonita do local.
Porém, num súbito de audácia ele parte para falar
com ela.
Atravessa toda a quadra, se desvia dos
brincantes que cuidavam em se desfazerem de suas
indumentárias, chegando até ela. Ela está de costas.
Ele dá duas cutucadas no obro direito dela. Ela vira
e lhe recebe com um formoso sorriso. Pra sua
surpresa, ela é muito simpática e o recebe muito
bem. Toda a beleza que ela tinha, faltava no rapaz.
Genésio era branquelo, um pouco aloirado, do tipo
raquítico, tinha um 1,75m, o rosto cheio de acnes e
um bigodinho muito bizarro. Usava uma armação
antiga de óculos.
Ela, vendo que o rapaz estava um pouco
envergonhado trata de iniciar a conversa.
– Oi tudo bem, meu nome é Polyana. Você
gostou do ensaio?
Ele demora, gagueja e se enrola todo ao
responder. Está bobo.
– O o ensaio? Ah! Foi lindo, você está de
- 29 -

parabéns. Na minha terra não tem isso não.
– Ah, então você não é daqui?
– Sou. Não. Quer dizer... Estou sendo, mas
só que provisoriamente.
– Humm. Você fala difícil. Vi que você me
olhava o tempo todo no ensaio por quê?
– Por quê? Você ainda pergunta? Você é
linda.
– Sério! Eu não acho não.
– Eu acho sim.
– Você é engraçado (risos). Olha, vou ter que
ir. Prazer em te conhecer. Vai nas nossas
apresentações.
– Não! Agora? Peraí você não pode ir. Me dá
seu telefone. Onde você mora? Você vai pra onde?
– Calma doidinho. Tá nervoso? Me dá aqui
tua mão, deixa eu anotar meu telefone. Qual é o teu
nome?
– É Genésio. Pode me chamar de Genésio.
–Agora tchau Genésio. Vou ter que ir. Nosso
ônibus já está saindo. Me liga viu...
Ela escreve, caprichosamente, seu nome e o
número de celular na palma da mão do rapaz
desenhando como adorno, um enorme sol. Ele
sente o calor da pele dela ao tocar sua mão. Não
acreditava que aquilo estava acontecendo. Depois
de escrito, ele olha fixamente aquele desenho e
número. Nem fechava a mão para não borrar o que
havia sido escrito. Ao ver o ônibus dela sumindo
no horizonte ele vai embora. Na parada, ele
embarca no primeiro ônibus em direção a
república. A sua mão e seus dedos continuavam lá,
inertes e esticadinhos. Quando já próximo de casa,
o tempo fecha e pingos de chuva começam a cair
- 30 -

no para-brisa do ônibus.
Pouco tempo depois um temporal desaba,
daqueles de sapo morrer afogado e jumento beber
em pé. Na ilha de Upaon-açu é assim, a chuva vem
sem avisar, e quando menos se espera cai é um
temporal. Genésio mal podia enxergar onde estava.
Porém, como muito esmero foi capaz de perceber
que já havia passado do seu ponto. Ele grita e pede
para o motorista parar. Desce em meio à tormenta.
Logo que põe os pés no asfalto, não vê abrigo onde
possa esperar a chuva passar. Mete a mão debaixo
da camisa e corre sem saber pra onde ir. É quando
num relapso de atenção, pisa numa poça de água
achando ser rasa. Não era. Cai num buraco imenso,
que quase lhe submerge por inteiro. Pior que estar
todo molhado da chuva era estar sujo de lama.
Experimentava amargamente, a partir dali,
naqueles poucos minutos, a exatidão da lei de
Murphy.
Desnorteado do mergulho, a chuva começa
a dá uma trégua. Ele percebe uma frondosa árvore
onde podia se abrigar. Lá, um desconforto lhe atina
a consciência. Susto! Se lembra do número em sua
mão. Não havia mais nada só dava pra ver mal os
três primeiros números e parte do desenho do sol
todo borrado. Todo encharcado, ele fica
inconsolável. Parecia perder ali a única
oportunidade de rever seu amor. Volta pra
república e passa pelos estudantes. Ao cruzar pelo
saguão todos observam Genésio ensopado e
completamente desolado. Depois que ele sobe e
some, todos começam a rir copiosamente.
Chegando ao quarto, vê Rodolfo no corredor
tocando violão.
- 31 -

Rodolfo não perde a oportunidade e
dardeja:
– Éguas todo molhado! Bem vindo ao
Maranhão. Em abril a chuva caiu. Em maio, cai é
raio.
Ele não se liga na troça e pede para que o
amigo entre, falando:
– Poxa Rodolfo, tu nem sabe. Cara, conheci a
menina mais linda do mundo. Tive coragem
cheguei nela, conversamos e ela me deu o seu
número de telefone, mas só que acabei caindo num
buraco cheio de lama e a água apagou tudo.
– Ah cara deixa pra lá. Amanhã é outro dia,
ou melhor, é sexta e nós vamos sair e curtir de
montão pela cidade.
Depois de desabafar com seu único
confidente, ele passa um tempo acordado
pensando na malfadada noite até cair no sono. Ele
acorda e passa o dia todo dando uma adiantada
nos seus apontamentos. É quando às sete da noite
em ponto eis que aparece: Rodolfo.
– E aí meu irmão. Tu ainda não tá pronto? indaga Rodolfo.
– Cara não tô muito a fim de sair não.
Depois de ontem...
– Ah meu irmão deixa isso pra lá. Larga esse
computador. Para espantar esse baixo astral vamo
pra Praça Maria Aragão, tá tendo um bocado de
coisa lá. Vamo lá toma logo um gole aí.
– O que é isso? Bebida azul?
– Essa é a tiquira, e da “marvada”.
– Tiquira? Aqui tem muito dessas coisas né.
Já bebi em refrigerante róseo, agora vou beber uma
cachaça azul. Vamo lá, depois dessa...
- 32 -

– Fica frio isso vai te ajudar a esquecer
aquela índia e quando tu esquecer vou te
apresentar outras gatas da hora, ó.
Saem os dois para a praça. Lá se dirigem
para o Largo dos Amores mais precisamente nos
arredores do monumento dedicado ao gênio poeta
Gonçalves Dias, onde se encontram vários rappers e
skatistas, todos velhos conhecidos de Rodolfo. Já
embaixo na Praça Maria Aragão uma multidão
acompanha apresentações de vários grupos
folclóricos enquanto desfrutam de saborosas
comidas típicas servidas nas barraquinhas. Tinha
arroz de cuxá, camarão, vatapá, mungunzá, etc.
Genésio não se enturma e prefere descer um
pouco para ver as apresentações mais de perto. Lá
para as tantas, ainda pouco cabisbaixo, ele avista
de longe uma moça dançando de forma sui generis.
O modo de dançar dela o fazia lembrar-se de sua
índia perdida, lá da Liberdade. Ele atravessa a
multidão para ver mais de perto e se espanta. A
moça que estava dançando era Polyana, só que
agora ainda mais linda. Toda produzida com uma
fantasia exuberante, rosto pintado e adornada com
vários penachos coloridos. Genésio entra em
estado de euforia.
Vendo que não podia falar com ela no
momento ele retorna e sobe a escadaria correndo
sentido ao Largo e já bufando, conta para Rodolfo:
– Rodolfo cara vem aqui. Encontrei Polyana.
Ela tá ali se apresentando no palco.
– Calma brother não é outra parecida com ela
não. Tu já tá é bêbedo.
– Não cara é ela mesmo. Eu preciso falar
com ela cara. Ela é a minha vida.
- 33 -

– Tá bom vamo lá pra ver se é ela.
Descem, os dois, pela escadaria. Chegando
bem próximo ao palco Genésio limpa os óculos e
confirma o que já suspeitava. Era ela mesmo.
Rodolfo ao ver a moça dispara:
– Rapaz, acho que essa, é a índia mais linda
dessa ilha. Eles saem e a encontram pelo lado de
saída do palco, e Genésio grita:
– Polyana... Aqui!
Ela vê Genésio, corre em sua direção e lhe
abraça, dizendo:
– Oi que saudade! Onde você tava? Você
nem me ligou.
– Você nem sabe, acabei perdendo seu
número não tinha mais como te ligar. - diz ele.
Os dois se olham apaixonadamente quando
são interrompidos por Rodolfo.
– Ei os dois pombinhos aí. Vocês dois aí vão
me deixar segurando vela, mesmo?
– Não cara desculpas. Deixa eu te apresentar
essa é a Polyana.
Depois
de
apresentados,
Rodolfo
sugestiona:
– Que tal nos irmos pro Bar do Nelson,
curtir umas pedradas?
Genésio retruca.
– Pedradas?
Polyana explica.
– Não te preocupa é um Reggae. Eu topo.
Adoro reggae. Vamo meu amor.
Genésio concorda.
– Então vamos não conheço nada aqui.
Estou com vocês.
Polyana fala:
- 34 -

– Me deixa só ir lá ao ônibus trocar de
roupas. É rapidinho.
Polyana volta e os três saem vão até a
parada da REFFESA, antiga e luxuosa estação de
trem, e pegam a linha Calhau Litorânea. Lá no bar,
a beira mar, Polyana ensina a Genésio como dançar
reggae a dois, bem agarradinho. Eles riem com o
jeito desengonçado dele. Eles se divertem como
nunca. Brincam, praticamente, a noite toda. Bebe
um pouco mais. Dá umas tragadas num cigarro
apelidado de “quebra pulmão”. Quando eles se
beijam, Genésio incorpora uma postura mais firme,
o que agrada Polyana. Já são quase cinco da
manhã. Eles saem da confusão e sentados ao tronco
de um coqueiro caído conversam e se beijam se
amando loucamente na beira da praia até o
arvorecer do dia.
Ao acordar pela manhã, Genésio não
encontra mais ninguém. Ele está confuso e com
uma dor de cabeça monstruosa. Não se lembra do
que fez, nem com quem esteve. Parecia que tinha
tido amnésia. Antes de tentar saber o que tinha se
passado, é aconselhado por algumas pessoas nas
ruas para ir pra casa. Uma coisa ele sabia, não
estava bem e que também, não tinha feito coisa
boa. Passa mal e vomita. Não se recorda nem com
quem passara a noite. Lembrava-se de algumas
vozes na sua mente, mas não sabia identificar
nenhuma delas. De volta à república, entra no
quarto, se lembra que já tinha uma passagem
marcada de volta pra casa se curando da ressaca.
Não vendo outro jeito, envergonhado pelo porre e
principalmente por não ter finalizado seu trabalho
como deveria. Está desolado e extremamente
- 35 -

confuso. Somente uma coisa ele sabia: estava na
hora de voltar para casa.
Bilhetes
nas
mãos,
profundamente
circunspecto e já se recompondo da ressaca,
adentra no ônibus linha São Luís/Teresina.
Viagem igualmente longa, mas menos conturbada
se comparada com a viagem da vinda. Antes de
chegar à zona urbana de Timon cidade separada
com Teresina somente pelo rio, ele contempla
desolado o lindo pôr do sol. Ao observá-lo, num
clarão fugaz de memória, ele agora, associa o
crepúsculo visto com aquele lindo sol que a linda
índia Polyana outrora, havia lhe desenhado na
mão. Ele, então, entra em choque e num rápido
momento de lucidez se lembra que havia deixado
sua amada Polyana para trás, sem ao menos, se
despedir. Se condói fortemente. Uma lágrima de
saudade escorre por seu rosto cheio de cravos e
espinhas. Não tem mais volta, já era tarde. Passa
pelo centro de Timon e segue em direção à ponte
do Rio Parnaíba. Avista a placa acusando a divisa
Maranhão/Piauí. Tudo parecia ter chegado ao fim,
melancolicamente.
É quando, no meio dela, na sua parte mais
elevada, ele olha de soslaio o imenso rio Parnaíba
abaixo. No horizonte, percebe uma crôa, onde
havia duas pessoas acenando com os braços. Por
um momento, ele pensa se tratar de Rodolfo e
Polyana. Ele num misto incontrolável de saudade e
loucura pede para o motorista do ônibus parar,
antes mesmo de entrar em solo piauiense. Depois
de muito insistir com o motorista, ele freia
bruscamente. Corre para o acostamento da ponte e
avista Rodolfo com uma garrafa na mão e Polyana,
- 36 -

sua amada, banhando e se divertindo, enquanto
jogavam água um no outro.
Genésio grita:
– Polyana, Rodolfo. Estou aqui.
Eles embaixo não percebem o que diz
Genésio. No entanto ele grita de novo, só que dessa
vez mais forte.
– Ei vocês dois estou aqui!
Rodolfo e Polyana percebem Genésio. Eles
param por um momento e Rodolfo fala:
– Vem aqui Genésio. Vem mergulhar nesse
rio com a gente, tá bem geladinho.
– Mas aqui tá muito alto. Não sei nadar. Vou
ver se arrumo outro jeito pra ir até aí.
– Não. Deixa de bobagem. Pula que a gente
te pega. - diz Rodolfo.
Polyana intervém e reforça.
– É amor pode pular, não confia na gente
não? Tô com saudades. A gente te pega. Pula vai.
Depois desse apelo comovente de sua única
amada e para não perder essa chance de tocá-la e
beijá-la novamente, ele lança sua mochila em
direção à crôa.
– Agora é a sua vez. – gritam Polyana e
Rodolfo.
Nesse momento, curiosos que iam passando
pelo local param e observam o estranho
comportamento do rapaz. Achavam-se tratar de
um suicida. Ninguém interfere, não imaginando no
que aquilo iria dá. Alguns ligam pra polícia, outros
filmam e batem fotos. Alguns até olham em
direção ao rio para ver com quem ele falava e não
viam absolutamente ninguém.
Genésio, se equilibra meio trêmulo no gradil
- 37 -

da ponte, abre os braços fecha os olhos, respira
fundo e sorri levemente, dizendo bem alto:
– Eu já vou... Já vou...
Ele pula. Despenca ponte abaixo o pobre
Genésio. Essas foram suas últimas palavras. Cai de
olhos fechados e sem dá mais nenhum grito,
crendo piamente que encontraria seus dois bons e
velhos companheiros.
Eis que jaz mais um pobre rapaz nordestino,
que nada mais fora que um refém dos grilhões de
sua própria miséria. Nunca pode desfrutar dos
prazeres, vivia rigorosamente para sobreviver-se
numa terra assolada pela corrupção e pobreza
extrema. Vivia refém das amarras das leis que a
sociedade o impunha, um perfeito cobaia do
Estado. Seu coração era uma pedra. Não sabia o
que era viver. Tinha reprimido, em sua alma, todos
os seus mais íntimos desejos aos quais nunca
ousou em realizá-los.
Era vítima de sua própria cegueira,
encontrava entorpecido pelos seus próprios
remédios.
Aprisionado
aos
estudos,
experimentador contumaz da amarga solidão, não
tinha amigos nem o amor dos familiares. Era vazio,
não sentimental, tornara-se um louco, um maníaco
depressivo. Seu refúgio eram os seus livros. Era
onde viajava e perambulava pelo seu mundo
paralelo. Como a maioria dos bons acadêmicos,
aprendeu a desprezar Deus.
Esperando piamente que “Polyana” e
“Rodolfo” fossem pegá-lo e trazê-lo de volta para o
desfrute de outras prazerosas aventuras, ele cai em
engano. Genésio cai de cabeça nas águas turvas e
marrons do rio Parnaíba. O impacto é tão forte, que
- 38 -

jamais um corpo franzino como o de Genésio
poderia suportar. Seu pescoço quebra, ficando num
ângulo de 90º, seus ossos se despedaçam ao meio
transpassando seus órgãos de ponta a ponta. Não
há tempo para sentir dor. Perde os sentidos e logo
desmaia com o impacto, morrendo mesmo, é
afogado. As águas barrentas do rio entram por
sobre suas narinas inundando seus pulmões. Seu
corpo afunda.
Porém, no fundo do leito do caudaloso rio,
ele renasce. Abre os olhos e sente Polyana pegando
sua mão direita e Rodolfo pegando sua mão
esquerda. Nadam, os três, rumo ao delta do
Parnaíba. Agora feliz, a tríade foi habitar
livremente uma daquelas belas ilhas. Nela Genésio
passou a se chamar, o “Espírito da Sabedoria”.
Polyana, o “Espírito da Proteção” e Rodolfo o
“Espírito do Prazer”. Sua mochila fora resgatada e
entregue a sua tutora Gumercinda, que jamais
entenderia a atitude extrema do seu protegido. O
velho Puskas fica desolado com a perda de uma
mente tão brilhante. Na sua cidade, a comoção foi
geral. Os pais ficaram desconsolados, pois afinal de
contas, jamais havia nascido na família alguém
com a genialidade de Genésio.
No seu computador, sua dissertação um
trabalho que se chegasse às mãos de uma banca
examinadora, tiraria dez, com louvores.
Seu
corpo físico jamais fora encontrado, pois foram
devorados pelos peixes, além de se desintegrar em
átomos que viajam, agora, por todos os meandros
do Parnaíba, se espalhando por toda extensão do
delta, até sumi de vez, no imenso Oceano Atlântico
por toda a eternidade, livre, finalmente de retornar
- 39 -

a aquela outrora enfadonha rotina.
Genésio tem, enfim, sua plena liberdade...

- 40 -

O „autêntico‟ filho da p...
Próximo já dos 18 anos, Carlinhos se
encontrava em meio a um dos maiores dilemas da
adolescência. Ainda não havia experimentado do
prazer humano mais delicioso, sublime e natural
da face da terra. Não tinha provado do gosto
proibido da maçã e do amor em seu estado mais
puro e carnal. Sentia-se um estranho em meio aos
colegas, fantasiando experiências sexuais para não
correr o risco de ser rejeitado.
Na mansão da família, seus pais, antes de
dormirem, trataram de marcar uma “reunião
extraordinária” noturna, simplesmente para
discutir sobre o tema. O garoto era meio tímido, de
pouca iniciativa. Preferia se entreter com jogos
eletrônicos a sair. A mãe não via nada demais e
achava que tudo ia acontecer de forma natural. Já o
pai, seu Carlos Albuquerque - um “galanteador”
de mão cheia - queria tirar logo a prova dos nove e
ratificar, de uma vez por todas, a masculinidade do
seu único filho, Carlinhos.
Certo dia, então, sem consultar ninguém, o
pai resolveu levá-lo na Boate “Mil e Uma Noites
Drink‟s”.
Tomou o rebento pelo braço e disse:
–Venha aqui meu filho. Vamos acolá. Se
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rolar rolou! Carlinhos, pego de supetão e sem
entender muito bem o que o pai queria – já que
tinha cabeça mais de menino do que de homem –
foi sem rezingar, obedecendo ao pai.
Chegando lá, Carlinhos teve uma leve ideia
do que se tratava, mas ainda não tinha caído a
ficha totalmente. Era um local noturno luxuoso,
privado, bem frequentado, quartos confortáveis,
bebidas/aperitivos dos mais caros e onde
desfilavam, claro, algumas “modelos”. Pai e filho
ficaram ali conversando um pouco e observando o
movimento. Foi quando, o rapazola avistou uma
bela loira distraída, terminando de passar batom
nos seus carnudos lábios rosados, próxima ao
palco.
Era Camilly, mais conhecida como a
“Tigresa Fatal”. A fada da noite tinha um rostinho
de princesa carente e olhos claros da cor de
esmeraldas. A pele bem alva, encobria um corpo
monumental, esculpido no auge do seu vigor físico
da juventude. Ela era tida na boate, como de estilo
funkeira. Ao longo de seus 23 aninhos, muito bem
vividos, nunca negligenciou em aperfeiçoar ainda
mais o que a natureza já havia lhe presenteado de
bom grado. Tinha um belo par de coxas,
panturrilhas e bumbum torneados na academia e
como dançarina de poli dance.
Seus seios eram siliconados, protuberantes e
rígidos; com uma sensual marca de biquíni a
mostra nos ombros. A moça investia alto na beleza,
sendo cadeira cativa em academias, clínicas de
estética e salões de beleza. Desembolsava, em
média, uma bagatela de 2 mil reais mensais. Nem
precisava, mas ainda cultivava no corpo o desenho
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de algumas tatuagens e um sugestivo piercing no
umbigo em sua barriga “chapada”. Cafetões e
cafetinas da cidade inteira iam aos tapas para tê-la
em seus lupanários. Seu maior cartão de visita, foi
o de ter saído como capa de revista masculina,
ainda que de “segunda linha”. Era a “top das tops”
no linguajar masculino. Sair com ela, era um troféu
para os mais gabolas.
A nossa Raabe contemporânea sabia do
poder que carregava consigo, distribuído ao longo
de seus 1,76 de altura. Postura altiva, cheia de si.
De boba, só tinha a cara. Possuía uma cultura de
fazer inveja a qualquer intelectual. Conhecia o país
quase todo, além do estrangeiro. Em Brasília, foi
pivô de escândalo conjugal, que culminou na
derrubada da indicação de um poderoso deputado
à presidência da Egrégia Casa Legislativa. Depois
desse episódio, teve de “fugir” da Capital do
Poder, pois corria risco de morte.
Porém, Camilly não se sujeitava a isso tudo
somente por aventura ou ambição. Na verdade,
Maria Clara, seu nome verdadeiro, nasceu bem
pobre. Perdeu o pai alcoólatra muito cedo, vítima
de cirrose hepática. Desde adolescente, teve de
sustentar sua mãe doente e irmãos mais novos,
além de custear o dispendioso curso superior de
enfermagem, já que sua família era muito carente
oriunda do sul do Brasil. Essa foi a maneira mais
rápida em sanar seus problemas mais urgentes,
diante da ineficiência do país em oferecer
oportunidades e trabalho digno para todos e todas.
Seu maior sonho: sair dessa vida, se formar, casar
com um médico - de preferência dono de hospital e construir família.
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Pois bem, enquanto seu príncipe de jaleco e
estetoscópio não chegava, nossa Teodora de
Bizâncio do século XXI tratava de aturar as
companhias asquerosas de velhos sapos rugosos
que lhe visitavam. Eram figurões de toda sorte:
empresários,
médicos,
políticos,
famosos,
desembargadores e outros marajás, todos na casa
dos 50 anos pra cima. Na sua visão, esses
rabugentos, não passavam de “Abusadores de
Inocências” ou “Corruptores de Almas”.
Pois bem, vendo que o mancebo havia fitado
os olhos penetrantes na sua pessoa, ela começa a
por em cena sua maior especialidade. O jogo fatal
da sedução. De longe, começou a se insinuar ao
rapazote, ficando este, cada vez mais hipnotizado.
Carlinhos ficou balançado e boquiaberto
com aquela moça que parecia ter saído das revistas
pornográficas que ele costumava folhear. Ao ver a
agitação do filho, o senhor Carlos, prata da casa,
faz um sinal pra moça chegar-se até a mesa. Ela se
aproxima e vai logo sentando.
Seu Carlos, cheio de si e com a voz
empostada, diz:
– Boa noite! Esse aqui é meu herdeiro,
Carlos “O Devorador”. Ele queria te conhecer.
– Muito bem Carlos. Muito prazer. Me
chamo Camilly e estou louca pra ser “devorada”
esta noite. Pedrão, trás uma dose de um Johnnie 12
anos pra mim, por favor. - diz a moça.
Lá para as tantas, o balé da serpente vai
demostrando resultado e aquele menino, meio
desengonçado, vai se soltando. Vendo tratar-se de
um virgem, ela começa a destilar ainda mais seu
feitiço; conversando coisas picantes ao pé do
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ouvido do rapaz, enquanto beijava-lhe o rosto,
passando a mão nas suas pernas e sentando nas
suas escanifradas coxas. Carlinhos, claro, no auge
de estouro de sua testosterona, não conseguia
conter a excitação. Para se estabilizar, tomava até
algumas doses do copo de uísque do pai.
Seu Carlos sentia um tremendo alívio ao ver
o filho todo alvoroçado nos braços daquele
mulherão. Camilly, sarcástica, não economizava
nos “elogios” que mais pareciam avacalhação.
– Nossa, como você é musculoso meu gatão.
Na verdade, a gueixa loura se continha para
não rir daquelas duas figuras ridículas e bizarras.
O pai, mais parecia um hipopótamo de duas patas,
com olhos esbugalhados e uma pança que mal se
continha dentro de suas calças. O filho, Carlinhos,
era do tipo raquítico, filhinho de papai, cabelo
lambido, com a coluna encurvada e o rosto coberto
de espinhas e acnes cheias de pus prestes a
explodir. Mas, paciência, nenhuma profissão é
perfeita. São os “ossos do ofício”. Necessitava
muito daquela “comissão”.
Entretanto, apesar da boa iniciação, faltava
ainda o grand finale da noite. Vendo que o filho já
estava pronto para se enveredar em direção à
submersão no casulo do amor, não perde tempo e
dá o sinal para Camilly levá-lo até o quarto com o
fito de fazê-lo “homem”. A moça, acatando a deixa
e vendo que o moleque estava a ponto de estourar,
convida-o para sair da mesa, levando ele para a
suíte mais cara do recinto.
Carlinhos vai todo presunçoso.
Ao adentrarem, ela tira as sandálias, as
calças apertadas e o top ficando só de lingerie,
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estupidamente vermelha e com delicados
bordados. Vendo aquela paisagem de natureza
bem viva quase totalmente despida, o elemento
atrás do zíper de Carlinhos se avolumava,
parecendo que ia rasgar a sua roupa. É quando ela
acaricia suas partes baixas, descendo sua bermuda
até os joelhos, e logo encostando sua caliente boca
no sexo do rapaz. Este, só em sentir a saliva quente
da moça no seu prepúcio, não se contém e ejacula
logo. Nossa Ninon de Lenclos, experiente, ouvindo
o gemido contido e sentido o leve tremor das
pernas do rapazote, velozmente, sai da mira
daquela juvenil metralhadora de esperma. Por um
momento, a frustração.
Ela, pouco abismada, pergunta:
– Já Neném?
Carlinhos fica bem relaxado e meio
acanhado logo sentando na borda da cama. Sem
mais esperança de atingir o tal ponto “G” naquela
noite, ela, esperta, se dirige pra tomar banho e
retocar sua maquiagem. Fez isso, até que
conseguisse ficar mais de 20 minutos no quarto
com o cliente, cronometragem mínima para
cobrança de permanência na suíte. Ao se
restabelecer e vendo por entre a porta do banheiro,
aquela musa passando sabonete nas partes íntimas
como uma gata no cio lambendo seu corpo;
Carlinhos, num súbito ataque de tesão, hormônios
e adrenalina, desperta o touro sagaz que havia
dentro de si, tirando toda sua roupa, desenrolando
a camisinha em seu pênis e invadindo o banheiro
sem aviso prévio. Dispensadas as preliminares,
toma Camilly pelos braços, virando-a de costas na
parede do banheiro, dando violentas estocadas na
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sua buça não lubrificada, tendo na sua frente como
visão fixa, somente a leve tremulação daquelas
nádegas avantajadas, macias e totalmente
escancaradas.
Ela, vendo o esforço descomunal do moço
em se firmar como macho reprodutor, não perde o
mote da piada, dizendo:
– Vai meu Tigrão. Que gostoso! Já estou
quase gozando! Ai! Ui!
Carlinhos, também, não aguentara muito
dessa vez, ejaculando rapidamente, depois de 3
minutos naquela posição. Estava, a cada nova
sessão de amor, ficando melhor na “arte da
sacanagem”.
Ela, surpresa com a atitude viril do rapazola,
aproveita para conversar e saber mais da vida
daquele menino, pedindo um sanduíche natural de
salmão e iogurte de ameixa light. Enquanto
conversavam, Camilly notara que o rapaz estava se
sentido emocionalmente atraído por ela. Ele era
demasiadamente gentil, acariciava sua mão e a
tratava com muito carinho, inclusive fazendo
perguntas da sua vida pessoal. Nesse ínterim, os
dois trocaram até telefones.
É quando, ao ver que sua “professora de
anatomia prática” tinha acabado de lanchar,
Carlinhos lhe tasca um cinematográfico beijo de
língua, descendo até encostar seus juvenis beiços
nos grandes lábios da liberal moça - que mais
pareciam uma flor de lótus desabrochando - se
lambuzando todo. Dessa vez, ao conectar-se
novamente com aquele corpão monumental, ele
dispensa preservativo. Queria, agora, sentir “pele
com pele”.
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Ela contesta:
– Menino põe essa camisinha!
Ele replica:
Não! Quero sem isso aí. Pode cobrar até
mais caro. Extasiado no ardor das emoções
pecaminosas, Carlinhos convence-a dizendo, que
faria, no “finalzinho”, um coito interrompido.
Querendo ver mais do que aquele estranho juvenil
era capaz, Camilly acaba cedendo. Dessa vez,
Carlinhos durou mais de 40 minutos, imitando
tudo o que os atores pornôs faziam nos filmes que
assistia na internet.
Passou a noite toda emitindo mililitros de
sêmen fecundo naquele útero fértil, com óvulos
bem maturados e biologicamente perfeitos. Deu
essa, e mais outra, até que, finalmente, se sentiu
saciado. Até ela, nunca mais havia tido tantos
orgasmos múltiplos como dessa vez. Fizeram tudo,
“barba”, “cabelo” e “bigode”, dentro dos limites
imagináveis de um casal heterossexual, claro. Ela
adorou a virilidade e sagacidade do menino, pois
ultimamente, só tinha atendido alguns velhos ricos,
frustrados e asquerosos à base de muito Viagra.
Na sua mente maquiavélica, Camilly viu naquelas
circunstâncias que a vida lhe apresentava, uma
possível oportunidade para dar uma guinada em
sua trajetória. Já estava próxima de se formar
enfermeira e na sua idade, já queria se aposentar,
deixando de vez aquela vida madrugadora
humilhante, sendo tratada por todos, como reles
objeto. O sonho do casamento com um médico
parecia mais distante e duvidoso. O moleque não
era perfeito, mas como dizia o velho ditado: “Mais
vale um passarinho com a asa quebrada nas mãos, do
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que dois voando.” Pensou ela. Era como um “Golpe
da Barriga Culposo” já que foi Carlinhos, quem
assumiu o risco de engravidá-la, ao exigir para que
copulassem sem preservativo.
Quase às cinco da manhã, ao saírem do
quarto, a moça faz o sinal de positivo ao pai, com
um sorriso bem maroto. O pai paga a conta de
quase dois mil reais e ainda pede para bater uma
foto do filho garanhão com seu “prêmio”. Eles se
despedem, por um momento, seguindo cada um as
suas próprias vidas. Antes de saírem, ela, por
precaução, ainda anota a placa do carro. Carlinhos
então, se sentia um super-homem, ansioso para
espalhar a boa nova para os amigos do prévestibular. Agora, nenhum problema do mundo
seria mais capaz de barrá-lo. Já tinha conseguido
seu irrefutável atestado de macheza. No caso dele,
macho até demais.
No final de semana seguinte, numa mesa de
bebedices mensal com oito amigos mais próximos,
o senhor Carlos não se contém em contar o feito do
filhão aos quatro cantos do mundo.
– Levei o Carlinhos ontem no “Mil e Uma”.
Todos ficam atentos. Um amigo surpreso,
retruca:
– É mesmo Carlos. E como foi?
Em alto e bom som pra todo bar ouvir,
Carlos diz:
– Ele deu mais de quatro com uma puta lá.
Deixou a menina toda assada.
Todos gargalham em uma só voz:
– Rá! Rá! Rá! Rá! Rá! Rá!...
– E como era o nome dela? - perguntou
outro amigo.
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